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Estudos Científicos

Originalmente publicado em:

MESTRE, M e CORASSA, N.
Da Ansiedade a Fobia. Revista Psicologia Argumento. ISSN 0103-7013. Ano XVIII, No XXVI, abril 2000. Pp. 105-126
Marilza Bertassoni A. Mestre
Neuza Corassa

RESUMO
A Fobia, de modo geral, é um caso específico de ansiedade gerada por estressores provenientes do meio ambiente, que interagem com um organismo sensível e, portanto, suscetível a ação de tais estressores. Somem-se a isso padrões históricos e culturais, e essa ansiedade terá toda a possibilidade de sofrer diferenciação e de transformar-se em fobia. Este artigo visa estabelecer uma revisão bibliográfica que permita ao leitor refletir sobre a hipótese levantada pelas autoras durante o trato de inúmeros casos de vários tipos de fobias na sua prática clínica no CPEM – Centro de Psicologia Especializado em Medos.

Ansiedade é o nome que damos para a emoção que se segue a percepção de que estamos sob a ameaça de alguma punição. Portanto, é a emoção que antecede a perda. Se tal perda já ocorreu, se já perdemos algo (ou alguém), o que sentimos chama-se “tristeza”, sentimento que está ligado a frustração (Graeff, Guimarães e Deakin, 1993).

A ansiedade é um sentimento que nos ajuda advertindo-nos de que podemos fugir de punição ou nos esquivar de uma frustração futura. Portanto, ela possui valor de adaptação para o ser humano.

No entanto, nossas emoções podem sofrer alterações e se desregular como qualquer outra função do organismo. Quando isso ocorre, a ansiedade, ao invés de propiciar adaptação, estabelece riscos sociais a pessoa que a vivencia, impedindo-a de perceber perigos reais que a ameaçam e/ou levando-a a ferir regras sociais estabelecidas pela cultura e que devemos seguir (ou que se espera que sigamos).

Ao ficarmos presos a ansiedade, vemo-nos prejudicados no desempenho de tarefas em que se requer raciocínio lógico, concentração e decisões rápidas.

A ansiedade quase sempre é vivenciada como uma sensação de apreensão quanto a algum perigo futuro não bem delineado é uma experiência universal, que tem, como função, a sobrevivência, e que pode se manifestar de 4 maneiras: pela fuga, pela imobilidade, pela agressão (defesa agressiva) e pela submissão (Bernick, 1989).

Analisemos detalhadamente cada uma dessas manifestações:

1. FUGA: normalmente associada a emoção conhecida como “medo”, é a reação típica mais frequente. Ela pode ser ativa, quando o indivíduo evita uma situação presente que lhe causa aversão. Pode também ser passiva, que é quando evitamos qualquer coisa que tenha sido associada a antigas punições. Os quadros fóbicos (ou pré-fóbicos) podem servir como exemplo nesses casos.

2. IMOBILIDADE: se a fuga pela ação não é possível, então fugimos pela omissão. Nesse caso, aparece o desmaio (com bradicardia e queda de temperatura corporal, que são associadas a palavra “negação”). Quando o perigo é iminente e incontrolável, súbito e potencialmente letal, o organismo pode desenvolver tal tipo de fuga. Há registro de mortes por parada respiratória ou cardíaca (“morte de susto”) e de outros casos em que o indivíduo desenvolve paralisias funcionais parciais ou gerais.

3. DEFESA AGRESSIVA X AGRESSÃO: Ambas as situações são formas de fuga a ansiedade (ou ao estímulo) que o desencadeou. Na defesa agressiva, o indivíduo “blefa” com uma postura corporal agressiva contra atacantes potencialmente perigosos. é uma atitude de “risco”, que os animais tomam apenas em situações extremas como, por exemplo: quando uma fêmea de coelho defende os filhotes contra uma raposa, ela apresenta uma postura de coluna vertebral arqueada, o que faz seu tamanho aparentar ser bem maior . Aparece também entre animais da mesma espécie, quando, por exemplo, uma mãe defende o filho contra o pai que o ameaça, colocando-se a sua frente e alargando seu tórax de modo a “esconder a cria” atrás de si. Nós, seres humanos, primatas superiores, herdamos o contato visual direto como uma forma de comunicar superioridade e gerar ansiedade social nos membros mais inseguros e/ou inexperientes.

Já a agressão ocorre em última instância. É sabido que os animais ditos “inferiores” só agridem quando não tem outra forma de fugir do ataque a que se julgam ou estão submetidos.

As agressões no homem são mais frequentes que nos demais primatas. As “defesas agressivas” verbais e posturais logo se caracterizam em ataques verbais ofensivos e/ou corporais lesivos, os quais levam a imobilização do oponente. (Vide o número de agressões “gratuitas” registradas pela mídia.)

4. SUBMISSÃO: é o oposto da postura de ameaça e visa desviar a “intenção” de ataque. Há várias situações em que vemos, em nossa sociedade, o ser humano usando de estratégias “diplomáticas” que “desarmam” o seu agressor. É preciso diferenciar dois tipos de submissão: a real e a estratégica. Na real, o indivíduo se abandona ao agente estressor, deixa de lutar e se crê realmente um perdedor. Desiste. Deprime-se. Na estratégica, o organismo avalia suas chances, analisa a situação, observa seu opressor e tenta descobrir maneiras de conhecê-lo melhor. Para isso ele precisa de tempo e ganha esse tempo tornando-se aparentemente submisso. (Essa estratégia só é possível entre indivíduos da mesma espécie; quando ocorre na natureza, raramente o submisso sobrevive).

Alves (1992) descreve uma reação de todos os organismos face a qualquer demanda do ambiente (externo ou interno aos organismos) que lhes solicite algum tipo de custo energético. Tal demanda não é meramente física, mas ,sim, um conjunto psicofísico que foi batizado de “síndrome de adaptação geral” ou estresse.

Essa síndrome inclui 3 partes:
1. reação de alarme;
2. estágio de resistência;
3. estágio de esgotamento.

A Física já havia descrito o estresse como sendo o total de forças que agem contra uma resistência. No caso psíquico, essa definição inclui toda e qualquer solicitação, boa ou má, que provoque reação no indivíduo. Se tal reação provoca equilíbrio adaptativo a essa pessoa, diz-se estar ela com um bom estresse ou sob eustresse; se suas respostas provocam desequilíbrio prolongado e/ou intenso, agradável ou desagradável, ultrapassam a capacidade de adaptação desse organismo, diz-se ser esse um mau estresse, ou um distresse.

Portanto, o estresse poderia ser definido como a reação total do organismo, da pessoa, do “eu”, a agentes (estímulos) chamados estressores e que funcionam como mensagens dentro de um padrão específico de comunicação. Ele pode ou não ser estruturado e ter um significado real de alerta, que possibilitará a defesa do organismo. A ansiedade (o amor, a raiva e o medo) nos mobiliza para a vida, aumenta nosso grau de vigília, amplia nossa capacidade de ação sob estresse, aumenta nossa percepção e memória para estudar e falar com cuidado, possibilita a escolha do repertório certo para uma platéia crítica ou para dirigir com prudência. São reações comportamentais que, além de ser úteis, podem ser até mesmo agradáveis e prazerosas, como: o assistir a filmes de horror, ver corridas de rally, praticar alpinismo, brincar numa “montanha russa”.

São todos comportamentos que produzem medo e ansiedade e, ao mesmo tempo, trazem prazer. A bioquímica “artificial” (ansiolíticos) que inibe a ansiedade obedece as mesmas regras que a da produção de forma “natural”, via exposição a eventos estressores.

O cérebro humano possui cerca de 100 bilhões de neurônios com funções específicas de coletar as informações que são enviadas por todas as áreas do corpo, associá-las via memória, decodificar tais informações e enviá-las para as ações competentes. Tal demanda não é meramente física, mas, sim, um conjunto psicofísico que foi batizado de “síndrome de adaptação geral” ou estresse.

Um simples estímulo, como uma cara “amarrada”, pode desencadear um mecanismo complexo (Luduvig, 1998), cujo “maestro” regente é o sistema límbico; ele contém altas concentrações de neuropeptídeos e de outras substâncias, principalmente monoaminas, que parecem ser as grandes reguladoras da ansiedade (Graeff, Guimarães e Deakin, 1993).

O que se sabe é que, quando o organismo é exposto a estressores, há desequilíbrio hormonal que provoca os comportamentos disfuncionais; estes, por sua vez, retroalimentam a disfunção e, assim, continua um “bolo de neve”. O conhecido estresse é um PROCESSO de respostas do organismo aos estímulos nocivos. Alterando o metabolismo de órgãos (rins, baço, intestino, glandulas sudorípara e salivar) e reorganizando o organismo para essa reação aos estressores; assim, as funções digestiva, renal e sexual ficam inibidas e os músculos, esqueleto, coração, pulmões, e sistema linfático ficam mobilizados.

Tais transformações, quando em excesso, levam a diminuição das respostas cognitivas. Todas essas modificações se processam simultaneamente em nível cerebral e comportamental. Se há insucesso na supressão do estressor, ou se pensarmos que não teremos sucesso, o estresse se intensifica, podendo dar origem a doenças ou a comportamentos de negação ou fuga.

A ansiedade antecipatória é explicada como uma carga hormonal intensa, que ocorre no período anterior a antecipação do desconhecido ou do que se teme ser aversivo. Em todo processo de estresse temos o sistema límbico elaborando a vivência emocional, o córtex cerebral elaborando a linguagem intelectual, e isso tudo sendo transformado em uma linguagem orgânico-comportamental (Vasconcellos, 1990).

Existe estreita relação entre a forma de enfrentar o estresse e a forma como nos desenvolvemos dentro de nossa cultura. Em todas as atividades em que duas ou mais pessoas se encontram, socialmente, a negócios ou mesmo afetivamente, elas estarão se comunicando. O comunicar-se, às vezes, implica receber ou aplicar estressores; isso pode ser uma fonte de ansiedade que, se fugir ao controle, pode ser extremamente desagradável e chegar até mesmo a ser impeditiva da vida normal,fazendo-nos perder muitas outras ocasiões que seriam boas para nós.

A ansiedade excessiva nos faz dissonantes, tensos, confusos e leva a perceber nossa existência como sem finalidade. Ela pode variar grau de aversão: de leve, até o mais intenso. Há sinais que podem nos indicar se estamos estressados. Porém, se um indivíduo já provou sensações associadas a tais emoções, os sintomas da ansiedade podem se generalizar de tal forma que vem a ser extremamente desagradáveis e criadores de falta de adaptação; isso pode explicar que as pessoas se auto-administrem doses de medicamentos para aliviar essas emoções que lhes fazem perder o controle da própria existência.

Eysenck (1977) fala que nosso cérebro seria constituído de dois tipos de células, um deles mais reativo e outro com latência de reação mais longa e, portanto, carecendo de estimulação maior. Franz e Hillman (1971) relatam uma teoria semelhante. Gray (1976) realiza experimentos com ratos e confirma que ambos os autores anteriores estão corretos quanto a maior ou menor receptividade a estimulação ambiental quando se trata de ratos. Quando se combina um organismo que tenha uma maior prontidão, uma maior sensibilidade neuronal a ação de estressores ambientais, a reação reflexa desse organismo de produzir alterações bioquímicas de defesa aos estímulos percebidos como estressores será mais intensa e maior que em indivíduos cuja sensibilidade seja menor.

A ansiedade se faz sentir através de alguns comportamentos que, em conjunto, levam a comunidade social a poder dizer que alguém está ansioso.

Esses comportamentos tanto podem ser observados do ponto de vista físico como do psíquico.

FÍSICOS
PSICOLÓGICOS
aumento da frequência cardíaca
tendência para autoritarismo
palidez
sentimento de perseguição
tensão muscular
aumento de consumo de álcool, cigarro e drogas
alterações digestivas
isolamento e introspecção
alteração do sono
queda da eficiência
alteração da função sexual
irritabilidade
mudança de peso
desmotivação
dermatoses
queda da capacidade de concentração e organização
baixa resistência a infeções
depressão
quadros alérgicos
sensação de incompetência

FOBIAS

A evolução filogenética (seleção natural que a espécie sofreu) fez com que algumas emoções se desenvolvessem; essas emoções permitiram ao homem sobreviver. Junto com o amor e a raiva, o medo é uma dessas emoções. E seguir pela vida requer sentir medo. A energia que está por trás dessas emoções é o constructo hipotético conhecido por “ansiedade”, e esta define mudanças:

  • fisiológicas: ritmo cardíaco, taxa respiratória, condutância cutânea…;
  • motoras: tremores musculares, hiperatividades, desorganização motora, baixo limiar para respostas motoras (“sobressaltos”), evitação ou afastamento;
  • subjetivas: (acessíveis graças ao relato verbal) apreensão, preocupação, previsão de ameaças e sensações de medo, particular ou generalizado.

O medo normal visa gerar energia a evitação ou afastamento de estimulação nociva ao ser (Ross, 1979). “O medo tem papel fundamental na adaptação humana, mas alguns tipos de medo são de grande magnitude para as situações desencadeantes e estes são chamados de fobias” (Versiani, Nardi e Mundim, 1989).

Uma fobia é uma espécie particular de medo. Essa palavra vem do grego “phobia”; esta, por sua vez, deriva-se da palavra grega “phobos”, também nome de um deus grego, significando “pânico, terror”. Esse deus provocava, segundo a lenda, medo intenso em seus inimigos, pois sua face era terrivelmente feia. A fobia é um dos distúrbios psicológicos mais extensamente pesquisados. O caso mais famoso é o relatado por Freud sobre o pequeno Hans e sua fobia por cavalos. Outro caso igualmente famoso é o do pequeno Albert. Neste caso, em 1920, Watson e Raynier estabelecem a aquisição do medo por animais num garoto de 34 meses de vida.

Mais tarde, em 1924, Mary Cover Jones trata de um garoto, chamado Peter, que tinha medo de coelhos; ela fez a abordagem pelo uso de um método precursor da dessensibilização sistemática (Wolpe, 1976). Wolpe e Salter, citados por Wolpe (1976), dão grande impulso ao diagnóstico e tratamento dos distúrbios evitativos. O primeiro explicita as fobias específicas e o segundo trata da inasserção que é típica dos casos de fobia generalizada ou social.

A fobia é vista como uma forma especial de medo; ela apresenta as seguintes caraterísticas:

  • desproporção entre a emoção e a situação que a provoca;
  • medo sem explicação razoável;
  • ausência de controle voluntário;
  • tendência a evitação dessa situação.

A diferença entre a fobia e a ansiedade, segundo Falcone (1995), é basicamente quantitativa, isto é, depende de quanto tempo dura o episódio de ansiedade, do quanto de ansiedade a pessoa experimenta, da frequência em que esta ocorre, do nível em que o comportamento evitativo disfuncional é precipitado pela ansiedade e de como é a avaliação dada pela pessoa que está ansiosa.

O medo é desencadeado por situações ou objetos inofensivos do ponto de vista da realidade exterior ou da ansiedade desproporcional ao perigo relativo ao objeto.

Atualmente, o DSM-IV (“Manual Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais”, 1994) caracteriza a fobia em subtipos:

1) fobias específicas (FE): são medos intensos, restritos a situações estimuladoras específicas (animais, fenômenos da natureza, andar de avião ou similares, dentista, hospitais ou similares…). A situação desencadeadora pode ser despertada por diversas etiologias, inclusive por um ataque de pânico (medo paralisante) com ou sem agorafobias (situações específicas relacionadas ao pânico como túneis, meios de transporte, filas, salas cheias…). Nesses casos, já estaremos tratando de outro distúrbio;

2) fobias sociais ou generalizadas (FSG): tratam marcantemente de comportamentos evitativos de situações sociais; elas implicam a aprovação do grupo. Ao evitar tais situações, a pessoa fica privada profissional, acadêmica, social e/ou sexualmente. Esse medo é relacionado a situações de exposição pública ou de interação social;

3) fobia social circunscrita (FSC): acontece quando o indivíduo apresenta temor apenas de uma situação pública de desempenho de interação social (ex.: medo de dirigir, de escrever, de escola, de falar em público…)

O DSM-IV propõe uma lista de comportamentos que facilitam a identificação em um diagnóstico de quadro fóbico. Tal lista prevê:

  • medo persistente de estímulo limitado (exceção ao ataque de pânico) ou de situação social generalizada;
  • a exposição ao estímulo fóbico provoca intensa ansiedade; o objeto fóbico é evitado;
  • há reconhecimento da irracionalidade do medo;
  • o medo e/ou a evitação interferem na rotina normal;
  • o medo não se relaciona a obsessões ou ao estresse pós-traumático.

Falcone (1995) propõe algumas características específicas da fobia social generalizada: ela é mais frequente em homens, costuma aparecer por volta da adolescência, acontece em contextos onde a dominância é incerta e há pressão pela boa performance e onde o indivíduo se ressente da crítica negativa.

Segundo essa autora, a fobia social aparece nos três sistemas de respostas:

cognição: a pessoa parece provocar, involuntariamente, aquilo que ela mais teme. Apresenta uma reação aparentemente paradoxal, pois avalia as próprias expectativas interpessoais baseando-se em crenças irracionais que dão base a “profecias auto-realizadoras”.
Outro padrão cognitivo deficiente é o pensamento auto-referente negativo, que compromete a espontaneidade com a motivaçãao de “bem impressionar”; sua atenção é autofocada até mesmo nas reações fisiológicas.
fisiologia: taquicardia, espasmos musculares, sudorese, tremor e rubor, distúrbios gastrointestinais, dores de cabeça e lombares…
comportamento evitativo: a vida social fica impedida, e o déficit em habilidades sociais parece comum entre os fóbicos. Parece que as respostas evolucionárias benéficas para o homem primitivo (como correr de animais ferozes e para isso necessitava um alto grau de tensão muscular) reaparecem no homem atual, provocando uma tensão muscular desnecessária que torna seus movimentos para escrita ou direção, por exemplo, distorcidos e disfuncionais.

Há algumas teorias sobre a etiologia das fobias, a saber:

  • Transmissão Genética: Eysenck (1966) propõe existir uma vulnerabilidade constitucional que predispõe as pessoas a desenvolverem transtornos de ansiedade; já Seligman (1970) fala de “predisposições filogenéticas”, de acordo com a importância de alguns comportamentos de evitação para a evolução e/ou sobrevivência de cada espécie (ex.: insetos, lugares altos ou fechados, animais predadores, escuridão, água e fogo, etc…); diz, por isso, serem essas as fobias específicas mais frequentes, bastando, às vezes, apenas uma experiência associativa (contingencial ou observacional) para gerar a fobia.
  • Condicionamento Clássico: os trabalhos desenvolvidos por Watson e Rayner, em 1920, e por Jones, em 1924, citados por Wolpe (1976), comprovam a aquisição e a extinção de comportamento fóbico via condicionamento pavloviano, o que aponta para a importância desse tipo de aprendizagem nesse distúrbio.
  • Condicionamento Operante: Skinner (1978, 1991) afirma que o comportamento de fuga/esquiva possibilita a retirada de estímulos aversivos. No caso de fobia, os comportamentos evitativos (fuga/esquiva) previnem que o indivíduo faça um “teste de realidade”, ou seja, fazem verificar que, no momento atual, o estímulo aversivo já não está presente e, assim, levam a produzir a extinção do comportamento fóbico. Conforme Rangé (1975), a teoria bifatorial de Mowrer propõe que a lei do efeito aqui não tem papel algum e que o elemento essencial é a contiguidade entre os estímulos condicionados e os estímulos incondicionados. As respostas de medo teriam valor de “drive”, isto é, propriedades instigadoras, e as atividades de fuga/esquiva seriam reforçadas pela redução de tal impulso. Então, os dois fatores seriam: a) contiguidade entre estímulos de onde vêm as respostas de medo; e b) redução do impulso mantido pela fuga/esquiva.
  • Modelação: o comportamento regido por regras (Skinner,1978) conduz a aquisição de padrões de respostas autonômicas, motoras e/ou cognitivas. É o tipo de aprendizagem vicária de que nos fala Bandura ( 1969), a qual ele denomina de “modelação”. Na clínica se comprova tal tipo de aquisição quando se trabalha com crianças que desenvolveram comportamentos evitativos, como identificação com o comportamento dos pais ou com comportamentos vistos na média (ex.: medo de sair sem o segurança em crianças e adolescentes de famílias abastadas que nunca passaram por qualquer situação de sequestro real).
  • Generalização: É o processo que possibilita que as regras (comportamento operante) e o condicionamento clássico (respondente) passem a controlar comportamentos.
  • Cognições: de novo, a generalização desenvolvida é que possibilita a aquisição de auto-regras que regulam nossos comportamentos. Às vezes, essas sofrem distorções; é quando “idéias irracionais” podem estar gerando comportamentos evitativos que servem como fuga/esquiva.
  • Atribuições: essa teoria propõe que o setting cognitivo pode gerar modificações na percepção da realidade e, assim, provocar emoções diferentes. Ex.: o caso de alguns agorafóbicos que interpretam suas ativações autonômicas como indícios de morte ou “loucura” e então entram em pânico.
  • Separação de agentes de reforço: Harlow e Harlow (1962), conforme Bussab e Otta (1993, comunicação pessoal), levantam a hipótese de que a separação de agentes de estímulos reforçadores, que propiciam segurança e/ou afeto e aprovação no passado geram, no indivíduo, reações fóbicas em relação ao “setting” ou estímulos neutros associados ao contexto onde tal perda ocorreu. Ex.: alguns casos de fobia escolar e/ou agorafobias (condicionamento clássico).
  • Incontrolabilidade e/ou imprevisibilidade: Seligman e Maier (1976), Hunziker (1988) e Mestre(1996) realizaram experimentos comprobatórios de que, quando indivíduos se deparam com situações estressoras incontroláveis e imprevisíveis, podem gerar comportamentos que claramente são respostas autonômicas, as quais ocorrem nos relatos clínicos humanos nomeados como “medo”; além disso quando o comportamento de fuga/esquiva gera algum controle e/ou previsão dos estímulos aversivos, esses comportamentos evitativos tendem a crescer em frequência e sofrer diferenciação para comportamentos mais complexo.
  • Ganhos secundários: cada comportamento é mantido por suas consequências. E, no caso dos comportamentos evitativos, não seria diferente. Além dos próprios ganhos de afastamento da estimulação aversiva, o indivíduo tende a ganhar reforços sociais potentes, tais como atenção e, às vezes, até mesmo afeto.

Mestre e Corassa, em sua prática clínica, tem verificado que a origem de tais distúrbios é uma somatória de fatores genéticos, histórico-pessoais e da cultura onde o cliente se desenvolveu.

Consideram que, para o tratamento das fobias, qualquer que seja a técnica escolhida, é fundamental que o cliente esteja motivado para eliminar o comportamento fóbico, mesmo que isso signifique certo grau de custo energético no processo.

O primeiro passo, sem dúvida, é uma análise funcional adequada e, depois, uma adaptação do método escolhido ao cliente em questão. As técnicas mais frequentemente utilizadas são:

I. Dessensibilização sistemática: a mais conhecida das técnicas comportamentais foi criada por Wolpe em 1948 e é composta, basicamente, por 3 passos:

  • treino em relaxamento muscular profundo
  • construção de hierarquias de ansiedade
  • contraposição do relaxamento a hierarquia.

II. Inundação: também conhecida como técnica “implosiva”, é uma técnica baseada em exposição, ao vivo ou imaginária, a situação fóbica .

III. Modelação: Bandura (1969) é quem propõe tal técnica, que prevê que, por identificação com um modelo positivo, o cliente possa mudar seu comportamento

IV. Técnicas cognitivas: existem muitas técnicas cognitivas que devem ser adaptadas para cada caso; por exemplo: a “descatastrofização”, que leva o cliente a reconhecer seu padrão de pensamento e, assim, alterar suas crenças.

V . Treino assertivo: funciona como método de aumentar o repertório social interativo.

O plano terapêutico será construído de forma específica para cada cliente, mas há algumas características comuns as pessoas acometidas por esses medos irracionais (isto é, quando nunca passaram por nenhuma situação de punição real associada a esses estímulos), sejam de que natureza forem, (quer sejam de compromisso, de avião, de elevadores, de cães, de cobras, de insetos, de falar em público, de ladrões, de lugares altos, de lugares fechados ou abertos, de escrever ou de dirigir) apresentam um perfil de comportamentos com maior ou menor grau de intensidade.

São pessoas com senso de responsabilidade social aguçado e dificuldade de enfrentar críticas. Pensam no resultado antes do ato, por isso despendem mais energia em tudo o que fazem. Por medo de errar, deixam de fazer várias atividades em suas vidas. E o paradoxo é que, na maioria das vezes, acabam acertando, porque tudo é muito planejado nelas.

Uma das fobias mais frequentemente tratadas no CPEM é o medo de dirigir, que também é denominado de “síndrome do carro na garagem”, tanto pode ser classificado como uma fobia simples (específica), como pode estar associado a um quadro de fobia social.

Trata-se de uma fobia clássica na apresentação de tal perfil psicológico.

Ao longo da prática de atendimento clínico as pessoas com medo de dirigir, Corassa foi registrando um padrão típico do comportamento: de cada dez pessoas que procuram o (CPEM) Centro de Psicologia Especializado em Medos com essa dificuldade, oito já tem a carteira de habilitação e o carro na garagem, são pessoas que já foram ao órgão competente – DETRAN – , e o examinador disse: “OK, você está apta a dirigir!” Porém a pessoa diz NÃO a si mesma.

É comum a “queixa” de que o teste foi muito fácil, por isso ela não se acha em condições de estar no trânsito, tamanho o grau de exigência consigo mesma. A complexidade da vida, ela a leva para o carro. São pessoas que fazem ou já fizeram coisas mais difíceis do que dirigir.

Em função disso, prepararam-se para uma dificuldade maior; mesmo que o outro a aprove, ela continua se achando incapaz. Tudo se desenvolve em meio a muito sofrimento:vem uma sensação de impotência diante da vida;sua auto-estima cai; evita falar sobre o assunto; arranja “desculpas”. Muitas vezes, em dias de chuva, o carro fica na garagem e ela precisa levar os filhos para a escola de ônibus, táxi etc.

As pessoas com tal medo dividem-se basicamente em dois grupos

    • grupo menor: é constituído por pessoas que já passaram por uma experiência com acidente, em relação a si mesmas, a um familiar ou a um amigo.
  • grupo maior: é constituído por pessoas que simplesmente sentem um grau elevadíssimo de ansiedade só de pensar em sair com o carro. Evitam, inclusive, coisas muito pequenas, como abrir porta-malas do carro para apanhar qualquer objeto que tenham esquecido dentro dele.

Desse grupo maior as mulheres apresentam esse quadro com mais frequência. A maioria está numa faixa etária entre 30 e 45 anos. As pessoas com menos de 30 anos já vem com uma liberação maior, não só em relação ao dirigir, mas também em relação a outras áreas.

As pessoas com mais de 45 anos nem sempre estão motivadas a dirigir, agora. No entanto, algumas mulheres jovens, na casa dos vinte anos, podem apresentar esse problema.

O CPEM já atendeu casos de mulheres mais velhas (76 e 84 anos) que conseguiram superar seus medos e dirigir seus próprios carros. Há também um número (pequeno) de homens que procuraram o CPEM, relatando tal medo. Geralmente enquadram-se no mesmo perfil descrito: são pessoas preocupadas com o grupo social e com sua segurança.

Possuem uma imagem distorcida de si mesmas, de seu potencial. Um bom exemplo é a comparação com uma imagem de televisão quando esta fica desfocada; tudo está ali; só precisa de uma regulagem.

Para essas pessoa que têm medo, um carro é como se tivesse “vida própria” e fosse sair sem controle, causando danos pelos quais elas seriam responsáveis. Sofrem terrivelmente. E é o mesmo sofrimento, não importa se são donas-de-casa, garçonetes, atendentes de balcão ou se defenderam tese de doutorado.

Isso demonstra o quanto parece para essas mulheres estarem elas entrando num campo que não é delas; por conseguinte, elas o fazem cautelosamente. De todas as máquinas que operamos, o carro é a maior das que se movimentam. Um avião também se movimenta, mas é o piloto quem conduz.

E como existem algumas pessoas fazendo isso, então se sente na necessidade de fazer também. As coisas vão acontecendo, e naturalmente a pessoa quer estar inserida nesse meio, não quer ficar à margem.

As possíveis causas para tal fobia interagem na construção dessa ansiedade dirigida ao carro e que mascaram um perfeccionismo (na verdade uma auto-exigência exagerada) e uma elevada preocupação com o outro. Os fatores etiológicos detectados são:

Fatores histórico-culturais:

a) A direção: sempre esteve nas mãos do homem a direção da casa, da família, dos negócios; portanto, dirigir um automóvel está diretamente ligado ao status de provedor que o homem sempre teve.

No entanto, de algumas décadas para cá, esse quadro está se invertendo com a liberação da mulher. Por iniciativa própria ou forçadamente, ela foi assumindo papéis que eram exclusivamente masculinos, como o de trabalhar fora de casa, ser responsável pela manutenção da família e, consequentemente, dirigir automóveis.

Porém, um grande número de mulheres sofre com a impossibilidade de superar o medo de dirigir, ficando na dependência do marido, dos filhos, do motorista particular, de táxi ou na dependência de ônibus.

b) Os modelos: na infância de uma mulher com mais de trinta anos, hoje, as imagens de pessoas dirigindo eram de figuras masculinas, que, na maioria das vezes, representavam certo poder. Dificilmente ela presenciou mulheres dirigindo, e, quando isso ocorreu, era a mãe, uma tia ou a irmã mais velha que pegavam o carro para ir ao mercado, ao salão de beleza. Isso ocorria também por motivo de ausência ou doença do pai.

c) Os presentes (carrinhos x bonecas): ainda hoje, os meninos ganham carrinhos, e as meninas, bonecas. Não é errado, e vai continuar assim. Mas, ao brincar com o carrinho, o menino naturalmente “entende” o dirigir, treina sua orientação temporo-espacial; além disso,tem a aprovação social de que o carro é para ele.

A menina brincava de boneca (principalmente o público indentificado nas nossas pesquisas na faixa etária entre 30 e 45 anos), estava previsto que ela iria crescer, casar, ter uma casa e filhos. Não que se negasse o carro para ela; nem se pensava nessa possibilidade. E, no entanto, quer tenha casado, quer não, ela cresceu, formou-se ou foi bem-sucedida no trabalho, mesmo sem ter cultura formal; isso prova ter ela uma inteligência acima da média; nesse contexto, veio também um carro.

Para dar conta dele, é preciso criar espaço para ele, ou seja, criar “trilhas”, isto é, criando registro de experiências, tornando-se capazes de experimentar dirigir; semelhante as trilhas de um disco que para tocar a música precisa ser gravada.

A mulher está dando conta da vida, dedicando-se ao campo profissional, cuidando da casa, dos pais, dos filhos, de outras pessoas. Hoje, ela tem mais liberdade para dizer que busca outras maneiras de se realizar, além da de ser mãe. Por outro lado, a dificuldade de dirigir muitas vezes parece traduzir o medo da liberdade que o carro dá.

d) Aprender a “olhar para fora” de si: foi também comum na sua infância a menina ouvir um imenso número de vezes: “Senta direito!” “Olha o que a vovó vai dizer…!” Ou: “O que os vizinhos vão falar?! “Fique bonitinha!”

E hoje, já mulher, sabemos que ela se preocupa muito mais, no trânsito, com o motorista que vem atrás do seu carro, não desgrudando os olhos do retrovisor. Portanto, só mudou a “cena”, porque vem o medo de estar “atrapalhando”, estar sendo inadequada. Medo da avaliação que outrem estará fazendo dela.

A tecnologia dos últimos 20 anos trouxe muitas comodidades, mas também dificuldades. Em relação ao carro, não é preciso já fazer força, mas apenas movimentos para dirigi-lo. O carro também melhorou muito para atender as necessidades da vida moderna, apresentando muito mais conforto.

Por outro lado, essa mesma tecnologia absorve mais as pessoas, e o tempo fica cada vez mais escasso. Por isso, são poucos os momentos de folga, a não ser que alguém dirija o carro para ela; então, a mulher aproveita para olhar a paisagem, ouvir música, conversar. Trata-se de um comportamento considerado saudável, já que, em geral, a mulher vive sobrecarregada de compromissos. Isso pode instalar um conflito entre preferir a independência e a comodidade.

Os seres humanos de modo geral, sentem medo do desconhecido. Em um grande número de situações na vida, só aceitamos algo novo depois de estarmos exaustos, tendo entregado os pontos. Isso ocorre para que nos mantenhamos inteiros, como se corressemos o risco de uma divisão, como se um espaço demarcado dissesse até onde podemos ir.

No caso das mulheres que apresentam o medo de dirigir, muitas vezes, o medo do desconhecido aparece quando não se tem garantia de um local para estacionar o veículo, ou quando um caminho tenha alguma alteração no seu percurso, como, por exemplo, algum desvio para eventuais consertos, comuns em cidades grandes. É comum também a manifestação da ansiedade antecipatória: quando as pessoas pensam em sair dirigindo, até decidir, a dificuldade pode atingir dimensões insuperáveis. Quer dizer, o medo de começar a dirigir é maior que o de dirigir. Quando alguém se assenta no carro, no seu espaço conhecido, essa dificuldade cai para menos da metade. Quando tenta ou pensa em sair com o carro, manifesta todo um quadro típico da ansiedade:

  • dorme mal na noite anterior;
  • tem tremedeira nas pernas;
  • apresenta transpiração excessiva;
  • tem sintomas de taquicardia;
  • sente tonturas;
  • percebe a boca seca;
  • sente um nó na garganta;
  • sente dor de estômago;
  • tem pensamento confuso.

As dificuldades mais frequentes relatadas por essas pessoas são:

achar que o carro é que domina a situação, ou seja, tem vida própria;
ter medo de rampa, por achar que o carro pode voltar. O medo aumenta quando há outro carro atrás;
ter a sensação de que vai ser pouco o espaço para passar, com consequente medo de bater em carros ou colunas;
trocar de faixa ou pista;
sentir-se “intrusas”- como se elas tivessem que sair logo daquele lugar; não sente como também seu o espaço que é comum, o trânsito;
ter medo de que o carro apague, “morra”;
estacionar,

Um conflito interno se desencadeia quando o dirigir se torna uma “via” de duas mãos:

Para a mulher, consigo mesma, quando ocorre duas forças contrárias. Uma sabendo que, técnicamente ela pode e sabe dirigir. Outra, numa distorção de seu pensamento, idéias apavorantes vem:“se alguém correr para a frente do carro? E se EU atropelar alguém? E se o carro morrer? E se EU atrapalhar o trânsito?”
na outra situação, a via dupla ocorre tanto consigo quanto com o seu companheiro:
ELA
ELE
a) Em alguns momentos, o fato de não dirigir faz com que ela questione por que os outros podem e ela não. O que está errado com ela?
a) Quer que ela dirija para levar os filhos a escola, ao médico, para ir ao supermercado…
b) Na contramão, ela se protege, não dirigindo, pois já se encontra sobrecarregada; se passar a dirigir, ainda vai fazer “mais” coisas para toda a família.
b) Na contramão, não se mostra satisfeito quando ela utiliza o carro para o lazer ou para visitar alguém sem precisar dele. Em alguns casos, não quer dividir o carro com ela, pois não considera agradável.

Corassa e Mestre levantam a hipótese sobre a ansiedade presente nos casos fóbicos, especialmente no medo de dirigir. Há um aspecto perfeccionista no comportamento global do fóbico.

As observações das autoras sobre o repertório comportamental dessas pessoas indicam um extremo cuidado e apego as regras sociais e ao cuidado com a manutenção de organização e certa rigidez de valores que norteiam seu dia-a-dia. Apresentam uma necessidade de controle de sua vida pessoal e profissional que fazem dessa pessoa o “certinho” de seu grupo social. O fóbico de modo geral é alguém que segue a risca as indicações terapêuticas e cumpre as “tarefas de casa” pedidas pelo terapeuta.

No início há um aumento da ansiedade e a medida que o plano terapêutico evolui, gradualmente a ansiedade cede lugar a tranquilidade. A necessidade de controle exagerado dos próprios atos e dos atos dos outros, deixa espaço para que uma auto-confiança e uma auto-estima amadureçam.

A ansiedade gerada por auto-regras restritas e expressa pela fobia impeditiva de aquisição de repertório mais discriminado e diferenciado transforma-se numa ansiedade benéfica, motivadora de comportamento adaptativo. Em suma, a fobia transforma-se numa ansiedade energética, o medo passa a ser apenas “um amigo precioso” que nos ajuda a adaptar o ambiente as nossas necessidades.

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